Acordei com o toque do meu celular. Desliguei-o e nem quis saber quem era. Fiquei na cama por mais alguns minutos. Além de ser um domingo, ainda eram sete horas da manhã e queria dormir até meio-dia. Já estava pegando no sono de novo, quando o aparelho toca novamente. Irritado, resolvi atendê-lo. Era Ricardo, o baixista da minha ex-banda, quem ligava. Há anos não nos falávamos, pois eu estava morando na capital e depois de me mudar de Mauá, não voltei mais lá.
- Olá, Jonas! Há quanto tempo, hein!
- Pois é, digo o mesmo, velho amigo.
Conversamos um pouco sobre nossas vidas, ele continuava morando na mesma casa e levava a mesma vidinha pacata na oficina mecânica de seu pai. Depois que terminou o ensino médio não estudou mais. Namorava a Adriana, uma menina horrorosa, que estudou com a gente no ginásio. Quase não acreditei nisso. Falei-lhe sobre minha vida na faculdade de contabilidade e meu emprego no escritório, mesmo sabendo que ele não entendia muito dessas coisas. Mas estranhando aquela ligação após anos longe daquela cidade, perguntei em tom de gracejo:
- O que o faz ligar após tanto tempo? Alguma noticia especial?
- Nem sei como te dizer, cara. – e com sua voz calma como a de um padre – Elder morreu.
Não acreditei. Fiquei uns segundos mudo, até que ouvi a voz de Ricardo me chamando:
- Jonas!
- Quando foi? – perguntei incrédulo.
- Há três dias. Desculpe ter te informado só agora, mas é que você sumiu. Deu trabalho conseguir seu número de telefone. Quando puder, passe aqui, assim podemos conversar melhor.
Conversamos mais um pouco, porém ele teve que desligar o telefone, pois tinha que buscar a namorada na casa dela porque a prometera levá-la ao cinema naquele dia, e já estava atrasado. Pelo tom de sua voz, percebi que ela o dominava.
Elder foi meu amigo na infância e na adolescência. Gostava demais dele, nos divertíamos muito juntos. Nascera com uma voz maravilhosa, por isso era o vocalista da banda. Há tempos não o via e nem pensava nele. Fiquei aturdido com a noticia de sua morte. Pensei em ligar para sua casa, falar com sua mãe e saber se ela precisava de algo, afinal, ela sempre me tratou bem. Revirei minhas coisas a procura da minha agenda telefônica, mas não a achei, e meu celular era novo, não tinha o número dela. Sem pensar duas vezes, peguei meu carro e fui a Mauá. No caminho, através da janela, reparei na paisagem das cidades que iam passando e lembrei-me das andanças que fazia com meus amigos por essas regiões, quando éramos adolescentes.
Em uma hora cheguei a Mauá. Era verdade. Encontrei a mãe dele chorando no sofá. Abracei-a, dei-lhe os pêsames e me contive para não chorar na frente dela. Conversamos um pouco e ela me chamou para subir ao quarto onde o encontraram morto. Disse-me que se tivesse sido mais atenta, teria previsto aquilo.
O local estava intocado desde o ocorrido, ninguém havia mexido em nada. Era o mesmo lugar que nós usávamos para ensaiar as músicas de nossa banda. Os pôsteres de Elvis Presley, John Lennon e Jimmy Hendrix já estavam há quase duas décadas na parede. A guitarra em cima da cama, que ele batizou de Rock Piece, era a mesma que ele usava na banda. A única que ele usou sua vida toda, pois aquela lhe era especial. Chorei. Dona Estela passou a mão em minha cabeça e chorou também.
O telefone toca, ela vai atendê-lo. Ando desconsolado pelo quarto, revistando tudo. Vejo uma câmera de vídeo em cima da cômoda. Quando a pego na mão percebo que ela está ligada. Sempre fui curioso e naquela hora, aquilo despertou minha curiosidade. Pensei: “Por que a câmera está ligada?”.
Vasculhei-a. Tinha algo gravado. Apertei o play e quase tombei de susto. Vi Elder sentado na cama com uma garrafa de conhaque numa mão e um baseado enorme na outra. Ele deu um trago forte, duas goladas exageradas e disse:
- Olá! Se você está assistindo a essa gravação, então estou morto.
De repente ouvi os passos de Dona Estela na escada. Desliguei a câmera e meti-a embaixo da jaqueta, depois fiz o possível para disfarçar minha cara de espanto. Quando ela entrou no quarto, disse-lhe:
- Dona Estela, estou profundamente triste. Elder era meu amigo de infância, e também, o melhor que tive. Nunca mais haverá uma amizade como a nossa. – dramático, mas sincero – Vou-me embora, pois as lembranças que este quarto me traz, embora alegres, também são doloridas nesta hora.
- Tudo bem Jonas, compreendo. Vá e viva de maneira a não acabar como meu filho, mas volte de vez em quando para me visitar. Elder era filho único, por isso via em você o irmão que nunca teve. E eu sempre o tive como um segundo filho. - se ela soubesse que fui eu quem ofereceu a Elder o primeiro baseado, talvez não tivesse dito isso.
Despedi-me dela e saí com os olhos carregados de lágrimas. Estava a falar sozinho no caminho de volta pra casa, me perguntando por que aquilo acontecera. Daí senti um peso na jaqueta, me lembrei da câmera. Apressei-me, mas antes que chegasse em casa, passei num bar para tomar um conhaque e refletir sobre a vida.
- Olá, Jonas! Há quanto tempo, hein!
- Pois é, digo o mesmo, velho amigo.
Conversamos um pouco sobre nossas vidas, ele continuava morando na mesma casa e levava a mesma vidinha pacata na oficina mecânica de seu pai. Depois que terminou o ensino médio não estudou mais. Namorava a Adriana, uma menina horrorosa, que estudou com a gente no ginásio. Quase não acreditei nisso. Falei-lhe sobre minha vida na faculdade de contabilidade e meu emprego no escritório, mesmo sabendo que ele não entendia muito dessas coisas. Mas estranhando aquela ligação após anos longe daquela cidade, perguntei em tom de gracejo:
- O que o faz ligar após tanto tempo? Alguma noticia especial?
- Nem sei como te dizer, cara. – e com sua voz calma como a de um padre – Elder morreu.
Não acreditei. Fiquei uns segundos mudo, até que ouvi a voz de Ricardo me chamando:
- Jonas!
- Quando foi? – perguntei incrédulo.
- Há três dias. Desculpe ter te informado só agora, mas é que você sumiu. Deu trabalho conseguir seu número de telefone. Quando puder, passe aqui, assim podemos conversar melhor.
Conversamos mais um pouco, porém ele teve que desligar o telefone, pois tinha que buscar a namorada na casa dela porque a prometera levá-la ao cinema naquele dia, e já estava atrasado. Pelo tom de sua voz, percebi que ela o dominava.
Elder foi meu amigo na infância e na adolescência. Gostava demais dele, nos divertíamos muito juntos. Nascera com uma voz maravilhosa, por isso era o vocalista da banda. Há tempos não o via e nem pensava nele. Fiquei aturdido com a noticia de sua morte. Pensei em ligar para sua casa, falar com sua mãe e saber se ela precisava de algo, afinal, ela sempre me tratou bem. Revirei minhas coisas a procura da minha agenda telefônica, mas não a achei, e meu celular era novo, não tinha o número dela. Sem pensar duas vezes, peguei meu carro e fui a Mauá. No caminho, através da janela, reparei na paisagem das cidades que iam passando e lembrei-me das andanças que fazia com meus amigos por essas regiões, quando éramos adolescentes.
Em uma hora cheguei a Mauá. Era verdade. Encontrei a mãe dele chorando no sofá. Abracei-a, dei-lhe os pêsames e me contive para não chorar na frente dela. Conversamos um pouco e ela me chamou para subir ao quarto onde o encontraram morto. Disse-me que se tivesse sido mais atenta, teria previsto aquilo.
O local estava intocado desde o ocorrido, ninguém havia mexido em nada. Era o mesmo lugar que nós usávamos para ensaiar as músicas de nossa banda. Os pôsteres de Elvis Presley, John Lennon e Jimmy Hendrix já estavam há quase duas décadas na parede. A guitarra em cima da cama, que ele batizou de Rock Piece, era a mesma que ele usava na banda. A única que ele usou sua vida toda, pois aquela lhe era especial. Chorei. Dona Estela passou a mão em minha cabeça e chorou também.
O telefone toca, ela vai atendê-lo. Ando desconsolado pelo quarto, revistando tudo. Vejo uma câmera de vídeo em cima da cômoda. Quando a pego na mão percebo que ela está ligada. Sempre fui curioso e naquela hora, aquilo despertou minha curiosidade. Pensei: “Por que a câmera está ligada?”.
Vasculhei-a. Tinha algo gravado. Apertei o play e quase tombei de susto. Vi Elder sentado na cama com uma garrafa de conhaque numa mão e um baseado enorme na outra. Ele deu um trago forte, duas goladas exageradas e disse:
- Olá! Se você está assistindo a essa gravação, então estou morto.
De repente ouvi os passos de Dona Estela na escada. Desliguei a câmera e meti-a embaixo da jaqueta, depois fiz o possível para disfarçar minha cara de espanto. Quando ela entrou no quarto, disse-lhe:
- Dona Estela, estou profundamente triste. Elder era meu amigo de infância, e também, o melhor que tive. Nunca mais haverá uma amizade como a nossa. – dramático, mas sincero – Vou-me embora, pois as lembranças que este quarto me traz, embora alegres, também são doloridas nesta hora.
- Tudo bem Jonas, compreendo. Vá e viva de maneira a não acabar como meu filho, mas volte de vez em quando para me visitar. Elder era filho único, por isso via em você o irmão que nunca teve. E eu sempre o tive como um segundo filho. - se ela soubesse que fui eu quem ofereceu a Elder o primeiro baseado, talvez não tivesse dito isso.
Despedi-me dela e saí com os olhos carregados de lágrimas. Estava a falar sozinho no caminho de volta pra casa, me perguntando por que aquilo acontecera. Daí senti um peso na jaqueta, me lembrei da câmera. Apressei-me, mas antes que chegasse em casa, passei num bar para tomar um conhaque e refletir sobre a vida.
Flávio Soares
2 comentários:
Vim aqui porque também passaste no meu blog.
E que temas interessantes que aqui tens que dão que pensar na vida.
Continua assim.
As vezes perdemos amigos por coisas simples, uma palavra dita na hora errada, um abraço não dado quando alguém precisou, ou mesmo a distância e falta de tempo. E acho que tudo é por falta de cuidado nosso, corremos atrás de "coisas" que um dia não podemos levar para a vida toda.
Muito bom ter você no Café, o convido para voltar mais vezes...
bjs grande, de Minas.
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