segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Grandes formigas

Magno era um homem que se achava conhecedor das coisas, não era graduado, mas lia bastante sobre vários tipos de assuntos e como já tinha uma certa idade, e tinha presenciado de tudo um pouco na vida, acreditava ser um sábio.

Em seu quintal havia um formigueiro e todos os dias um exército de formigas marchava em volta da casa a procura de suprimentos. Ele observava aquilo curioso e se perguntava por que elas trabalhavam tanto, e como podiam ser tão organizadas.

Até que um dia leu numa revista ecológica, a teoria de um biólogo, afirmando que os formicídeos não podem ver as pessoas, porque vivem num universo limitado. É como se os humanos fossem superiores a eles de tal forma que não consigam notar a presença do homem em volta deles.

Resolvendo tirar a prova, Magno foi ao quintal e quando viu as formigas em sua rotineira marcha pôs um pé no meio do carreiro. As pequeninas trabalhadoras passaram por cima dele e continuaram o caminho. Insistente, ele põe o outro pé, e para sua surpresa algumas caminhavam sobre ele ignorando sua gigantesca superioridade, e outras davam a volta continuando tranqüilas seu percurso.

Enraivado, o homem pisoteia dezenas delas. Mas não contente ainda chuta o formigueiro e se delicia com o desespero dos pequeninos seres. E para satisfazer sua onipotência em relação aos insolentes insetos, pega um balde d'água e joga no formigueiro provocando um dilúvio naquele mundinho. Após alguns minutos o mundo das formigas não existe mais. As mais resistentes ainda se contorcem no chão tentando sobreviver, mas Magno as esmaga com um dedo e vê-se satisfeito. Sentia-se um Deus assim. De repente, uma indagação lhe veio à mente.

Quem lhe garantiria que ele não era como as formigas, que andava pela Terra na sua vidinha humana, enquanto seres superiores cuja presença era incapaz de perceber observavam-no e se divertiam com suas ações esperando só pelo momento em que o esmagariam ou cuspiriam em sua cabeça?

Flávio Soares

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O drama de um mentiroso

Menti com tanta fé em mim
que duvidei
da verdade que sabia
passei a viver a mentira
bebi dela intensamente
a verossimilhança de minha irrealidade
entorpeceu-me
de tal forma
que nem sei
em qual mentira
se perdeu minha verdade.
E no vício de enganar
a enganação dominou-me
foi minha droga irresistível.

Mundo
as únicas verdades que conheço
você
e meu reflexo no espelho.

Flávio Soares

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ao poeta

Ao ler os versos que o poeta escreve
com uma indescrítivel perfeição
sou possuído por loucura breve
e sinto nisso a minha redenção.

O que ele faz, perfeito, me descreve
eu me comovo de adimiração
o meu humilde verso até se atreve
mas ai de mim, pois sou poeta não.

Só vivo lendo os belos versos dele
e como se eu mesmo os tivesse escrito
com a grandeza de se poetar.

Lendo seus versos me transformo nele
na empolgação de quando eu o recito
todas as noites de belo luar.

Flávio Soares

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Pensando maldade

Estão doentes os meus pensamentos
como um louco na cela atormentado
e sofre a mente em todos os momentos
me sinto de maldade envenenado.

Eu queria me livrar desses tormentos
com os quais o meu ser é castigado
já busquei nos falados livramentos
me salvar do que tem me perturbado.

Pois tenho na cabeça indagações
que podem preencher os sete mares
e vivem a seguir-me pelos ares.

Coisas malditas, são perturbações
canções do mal que nos meus olhos soam
mas eu não danço e sempre elas ressoam.

Flávio Soares

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Estátua-julgamento

A estátua na praça
do centro da cidade
está esquecida
quieta
no meio da agitação urbana
onde as pessoas correm apressadas
e ninguém se preocupa com nada.
Altiva em sua imobilidade
parece um juíz
observando e julgando
quem por ali passa.
Um pombo vem voando
baixinho e vagaroso
num vôo doentio
parece estar morrendo
ele acaba de passar
pelo julgamento da estátua.

Flávio Soares

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Falando de amor

É falando de amor que eu posso ver
o que se faz privilégio de poucos
e vivendo nisso posso entender
porque amando os homens ficam tão loucos.

Amor é um eterno desejar
uma força insana e imperecível
e que nos empurra sempre a lutar
para tornar o impossível possível.

Infinita e doce sublimidade
guardada no sonhado paraíso
que pode nascer da simplicidade
na graça dum verdadeiro sorriso.

Mas pra falar de amor sem ter amado
acho melhor que ninguém fale não
pois falará que eu sei, co'o desagrado
das almas tristes e sem coração.

Flávio Soares

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Liberdade

A liberdade é uma rua sem fim
onde bêbados na calçada
filosofam sobre o nada
pensamento que voa
na fumaça de um cigarro
vento no rosto
num dia de calor.
Caminhá-la é ser livre
de indagações e preocupações
é subir uma montanha
só pra depois descê-la correndo
como um cachorro que quebra a corrente.

Ah! Liberdade...

Flávio Soares

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ode noturna

É meia-noite
sentado em frente ao computador
sob fortes doses de álcool
com insônia
eu poetizo
digito atormentado
pensamentos e sentimentos
que me perseguem,
é minha alma
triste como um dia chuvoso
de céu cinzento e vento frio
em que os beatniks
olham melancólicos pela janela
a chuva cair na terra
e esperam ansiosamente pelo sol
para que possam seguir sua rota
rumo a qualquer lugar.
De repente
o som estrondoso de um caminhão
um cachorro late ao longe
e um bêbado passa na rua
cantando Roberto Carlos
me perco do que pensava
vou à janela
olho pro céu
vejo a lua e as estrelas
e pela primeira vez em minha vida
presto atenção nelas
que diferença fazem pra mim
a lua e as estrelas?
Nenhuma.
Isso me inspira
volto a escrever
com compulsão
meus dedos nervosos
afundam com raiva as teclas
olho no relógio
são quatro horas da manhã
já não agüento mais
com muito esforço
chego ao final do poema
o último verso
que a cãibra não me deixou digitá-lo
mas que não me impediu de declamá-lo.
Depois, finalmente durmo.

Flávio Soares

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A árvore e o vento

Quem remirá a árvore
tão tristonha em suas folhas
condenada a cumprir prisão perpétua
em pleno ar livre.
Pobre vegetal
plantado por uma malevolente mão
neste jardim do mundo.
Coitada dela
sempre está ali
balançando seus galhos
atirando-os no chão
numa frustrada tentativa
de chamar a atenção
mas ninguém a percebe.
E todos os dias
o despreocupado e andarilho vento
passa rindo alegremente
caçoando da árvore
bulindo nela e balançando-a
e a melancólica e desprezada árvore
impossibilitada
apenas lança suas folhas no ar
com o intuito de que o vento as carregue
num esperançoso sonho de liberdade.

Flávio Soares

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Umas velhas fotos ao lado do espelho

Velhas fotos do século passado
que quando vejo meu olhar falece
o espelho mostra como estou mudado
essa verdade muito me estristece.

Todos os dias tenho as contemplado
com a imagem que só me aborrece
odeio ver o que têm estampado
mirando o espelho meu ser padece.

Olha esta barba que onte' eu aparei!
Não acredito que este rosto é meu.
Em qual parte da vida ela crescia?

Esperai-me tempo e se esclarecei
pois eu não vi quando você correu.
Como não pude ver que envelhecia?

Flávio Soares