Era uma velha inconformada. Não suportava ver o tempo no espelho. Tinha os cabelos curtos e tingidos de um preto triste. As unhas pintadas de vermelho-vivo tentavam disfarçar a pele enrugada das trêmulas mãos.
Há dias estava trancada no quarto. Ninguém a convencia a sair. Nem atendia o telefone, pois lhe causava horror ouvir a própria voz, rouca e devagar como a de uma bruxa. Na penteadeira, em frente ao espelho quebrado, um retrato de décadas atrás. Os cabelos negros e compridos adornavam o rosto pálido de princesa medieval. O sorriso hipnótico dava a impressão que a fotografia era viva. Álvares de Azevedo, certamente, a faria mil poemas e morreria de amor por ela.
Passava as tardes na janela, se embriagando com vinho e observando as mocinhas passearem na rua. A cada uma que via, dizia a si mesma: “eu fui mais bonita”. No fundo, invejava-as. Fantasiava roubar-lhes os namorados e vê-las mortas de ciúmes. Às vezes esquecia sua idade e sonhava com os jovens que por ali passavam. “Com este eu me casaria”, pensava. Quando batiam à porta dizendo: “Vovó!”. O sonho virava pesadelo.
Os filhos, sempre ocupados, não tinham tempo para conversar com ela, por isso não notavam sua depressão. Se ao menos o marido estivesse ali para lhe fazer companhia. Sortudo, morreu aos trinta e cinco anos sem nenhum fio de cabelo branco. Quando o conheceu a família disse que ele parecia um galã de novela. Ainda guarda na memória a noite de núpcias, quando ele, feito poeta apaixonado, lhe chamava de deusa.
Após ficar viúva, penou para criar os quatro meninos. Trabalhava sem descanso. Arruinou sua saúde. Agora estavam casados, e ela uma idosa adoentada e solitária. Seu hobby era recordar a juventude. Convivia com a solidão e a velhice. Vagava pela casa a falar sozinha, ora maldizendo o mundo, ora evocando Alfredo, o finado esposo. Os familiares achavam normal isso, é a idade, diziam. Achavam-na caduca. Os netos tinham medo dela, não ousavam olhá-la.
Mas naquele dia, algo estava estranho. Ouviram-na rir, coisa que não fazia há tempos. Bateram na porta. Não atendeu. As risadas aumentaram. A senhora gargalhava alucinadamente. Julgaram-na louca. “Não devíamos deixá-la beber”, alertou um dos filhos. De repente a escutaram dizer: “Estou indo, Alfredo”. E fez-se um silêncio amedrontador.
Preocupados, arrombaram a porta. Jazia estirada no chão, maquiada e vestida em sua melhor roupa, como se fosse a um encontro. A expressão de seu rosto denotava uma satisfação inexplicável. Ao choro dos filhos que encheu o quarto de melancolia, só um retrato de uma sedutora jovem sorria.
Flávio Soares
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