sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Conversa no viaduto

Ela me disse que ia pular
porque sua vida era uma árvore
violentada pelo outono
e o mundo
uma arena mortal
falei das árvores que se renovam
após os ataques outonais
falei da fênix
mas seu olhar derrotado contou-me
que sua alma já se atirara
no abismo da depressão.

Chorou...
e pulou dando risada.

Flávio Soares

domingo, 24 de agosto de 2008

Tempo passado

Alguns dias eu recordo
o meu passado-sonhar
nesses dias eu acordo
mas não quero levantar.

A meu pensamento abordo
com nostalgia a lembrar
logo um sonho a este bordo
são minhas lembranças-mar.

O tempo quero romper
para então retroceder
e voltar pr'um certo dia.

Reviver qualquer momento
com inocente magia
e feliz contentamento.

Flávio Soares

sábado, 23 de agosto de 2008

Medo de votar

Tenho medo de votar
porque amanhã
ao sair de casa
posso ser assaltado
e como sou pobre e sem dinheiro
o assaltante se enfurecerá comigo
me matará com um tiro na cabeça
e não haverá polícia para me salvar.

Tenho medo de votar
porque amanhã
quando voltar do trabalho
posso ser atropelado
por um motorista bêbado
e não haverá hospitais
que possam me atender
e esperarei
ser socorrido
até morrer.

Tenho medo de votar
porque amanhã
posso ter um filho
que vai chegar à faculdade
mal sabendo ler e escrever
e ainda vai se achar
um tremendo doutor.
Tenho medo de votar
porque amanhã
posso ter uma filha
que no caminho da escola
será atacada por um maníaco
desses protegidos pela Constituição
e ainda dirão que ela provocou.
Tenho medo de votar
porque amanhã
quando estiver velho
não lembrarão do meu trabalho
morrerei desprezado
mesmo com toda a contribuição mensal
que dou ao meu país.

Eu
tenho medo de votar.
Flávio Soares

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O homem do bar


Ele está lá todas as noites. Sai do trabalho e não pensa em ir a nenhum outro lugar. O proprietário conhece bem esse sujeito. Já tem até uma cadeira personalizada que o espera que nem esposa ansiosa, louca para sentir seu corpo sobre ela.

Quatro garrafas de cerveja, e só. Isso basta para passar a noite. Despreocupado, sorve lentamente, aquela que para ele, é a maior invenção humana. Cada gole é como se fosse o último, por isso bebe feito quem goza.

Está nessa rotina desde seu divórcio há três anos. Por ser freqüentador assíduo do local, ganhou algumas amizades que não faz questão de cultivá-las, mas às vezes, é necessário alguém para dividir a conta.

Após tanto tempo nesta vida, lhe parece normal isto, chegando a achar que está bêbado quando não ingere álcool. Durante o dia, pelo menos um conhaque é preciso para suportar a pressão do chefe e não se lembrar de coisa alguma.

Todo mundo tem suas fugas da realidade. Essa é a sua. Beber até não agüentar mais. Dos parentes, já não se lembra. Amigos, nenhum por perto. As pessoas que o vêem todas as noites na bebedeira, muitas nem sabem seu nome, apenas conhecem-no como o homem do bar, e discutem sobre o que arrastou-lhe a esta vida, imaginando os tristes fatos pelos quais ele pode ter passado. Poucos arriscam se aproximar dele, quem assim faz, é repelido por suas monossilábicas respostas. Com isso, preferem manter distância. De vez em quando, um mais envolvente, consegue cinco minutos de conversa, logo percebe que o pobre está sem dinheiro, e na tentativa de arrancar alguma informação se oferece para pagar uma bebida, mas nada consegue, então o abandona sozinho no fundo. Distante.

Ele gosta disso, ser visto de longe, não quer a aproximação de ninguém, pois precisa da reflexão que a solidão o empurra. Ser o homem do bar é sua única alegria, porque sabe que o tomam como uma história, passada de boca em boca pelo mundo afora.

Flávio Soares

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Refletindo

Penso num verso triste
sinto que vou chorar
não é poesia
somente a vida.

Flávio Soares

Lembrança de quem morreu

No aniversário da morte
daqueles que amei
nenhuma festa
só as lembranças me afagam
melancolicamente.

Minha saudade chora.

Flávio Soares

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Desencorajado

Não sou o herói forte e corajoso
das minhas brincadeiras de criança
contra os vilões, altivo e poderoso
lutava empunhando uma espada ou lança.

Sou só mais um pequeno cão medroso
que a vida afugentou-lhe a esperança
e se perdeu pelo mundo assombroso
tão fraco e frágil quanto uma criança.

E por lembrar do que me amedrontou
todos os dias minha mente pasma
é minha vida em forma de fantasma.

Vi que sou morto e isso me assustou
procurei Deus mas dele eu apanhei
por causa disto nunca mais sonhei.

Flávio Soares

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um momento

Rolávamos na cama
como dois animais
furiosos numa luta
nos mordíamos ferozmente
e sem que nenhum dos dois
se rendesse
desmaiamos
ambos derrotados, triunfantes.

Naquele momento
estávamos felizes para sempre.

Flávio Soares

Os Toxic Twins

Os garotos eram desatinados. A culpa era do pai. Bebia e fumava maconha tranquilamente dentro de casa. Conforme cresceram, adquiriram esse hábito. Na adolescência conheceram o rock ‘n’ roll. Logo entraram num mundo inconseqüente. No quarto, pôsteres de Black Sabbath, Led Zeppelin e AC/DC. Duas guitarras. Cheiro de erva queimada por toda parte. Cerveja e cigarro em abundância.

À tarde, depois da escola, saia daquela residência, um som alto duma música agressiva. Os vizinhos que só conheciam pagode, forró e sertanejo enlouqueciam com o barulho, enquanto os dois loucos se divertiam. O local parecia que ia ser explodido com solos de guitarra seguidos duma forte bateria.

Nos finais de semana, esses irmãos se reuniam com seus amigos na garagem, fazendo uma tremenda rockonha. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll. Beatniks livres. Aquilo era a road deles.

O tempo passou, os toxic twins envelheceram. Vieram as responsabilidades e a necessidade de trabalhar. Casaram, tiveram filhos. Mudaram de cidade. Ficaram barrigudos. Carecas. Muitas contas para pagar. Preocupações demais. A vida licenciosa teve que ser abandonada. Mas naquela vizinhança não há quem olhe para aquela casa, e não se lembre do rock selvagem, ecoando solto, quase pondo abaixo tudo ao redor.

Flávio Soares

Confusões mentais

Nas confusões mentais nas quais me vejo
com questões na cabeça a perturbar-me
respostas para a vida é o que almejo
envolto em cisma fico a questionar-me.

Por esclarecimentos eu pelejo,
pois quero explicações para acalmar-me
a loucura me diz: "Eu te cortejo"
não há explicações, vai dominar-me.

Será que o mundo todo é um brinquedo?
Uma história já determinada?
Um trabalho que não saiu perfeito?

Pensando nessas coisas sinto medo
imagem, semelhança... não são nada
por isso enxergo Deus como imperfeito.

Flávio Soares

Um jardim vivo

Leve
o jardim desfilava pela rua
um perfume primaveril
embriagava o momento
flores serpenteando
faziam soar
o som de harpas celestiais
e enfeitiçado
tal qual o marinheiro
que avistou uma sereia
um jardineiro poeta
se deleitava
com essa visão hipnótica.

Flávio Soares

Epitáfio para Charles Bukowski

Jaz aqui um velho safado
que sorveu do mundo
tudo que pode
poeta dos vagabundos
bebeu a vida pra fazer poesia
sua existência
foi o seu romance
álcool e mulheres
a paixão eterna.

Flávio Soares

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Vida-álcool

Assim é a vida
quanto mais se bebe dela
mais se quer viver.

Flávio Soares

Nostalgia

Me lembro de épocas tristes
rio
pois já se acabaram
recordo tempos felizes
choro
porque se passaram.

Flávio Soares

Dia de chuva

Tomba a chuva sobre a terra
incessante e débil.
Me sinto tão flébil.

Flávio Soares