quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Triste engano


Às onze da noite, o telefone tocou. Diogo não conversava com seus parentes, tampouco tinha amigos, por isso nunca recebia telefonemas. Possuía telefone só para emergências. Odiava falar com alguém sem olhar nos olhos. Aquela ligação inesperada interrompeu seu sono. Ao ouvir o ring, pensou em não atender, porém o toque não cessava. "Deve ser importante", pensou. Levantou-se. Caminhou, irritado, até o aparelho. Pegou o gancho. "Alô", bufou.

- Por que me evita? - perguntou uma jovem voz feminina.

- Creio que houve um engano, moça.

- Não banque o esperto. Estou te procurando há semanas. Por onde andou?

- Tem certeza de que sabe com quem está falando?

- Não me venha com seus sarcasmos!

- Tudo bem. Não precisa gritar.

- Estou triste...

Ele já tencionava desligar, mas, devido ao timbre dolente dela, sentiu-se apanhado por um misto de comoção e curiosidade. Concluíra que a coitada, de fato, pensava que ele era outra pessoa. Sem saber por que, deu corda na situação:

- Me desculpe, linda.

- É só isso que tem a dizer?

- O que quer que eu diga, amor?

- Ora essa! Me abandona sem qualquer razão e só pede desculpas. Exijo explicações.

- Estive muito ocupado.

- Com o quê?

- Complicações.

O rapaz não achava mais jeito de manter a conversa. Estava prestes a contar a verdade, dizer que ela tinha discado o número errado, que ele nem sequer tinha namorada. Esperou que a garota dissesse algo. Houve alguns segundos de silêncio e uns soluços vindos do outro lado da linha que o perturbaram.

- Eu quero te ver. - chorou ela.

Enternecido, Diogo a consolou dizendo que não havia motivo para tristeza. Prometeu visitá-la quando amanhecesse. Disse algumas palavras típicas de namorado apaixonado e desligou. Em seguida, retomou o sono. Sonhou que não era Diogo.


Flávio Soares
    


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Elegia a Antônio II

A existência nunca foi tão vã
como é neste momento
que bebo pensando em ti, amigo.
Tu que fostes um homem de filosofia simples:
''Não se preocupe e será feliz"
o eco dessas palavras perdura
como a incerteza sobre Deus numa mente descrente.

Meus dias são iguais
minhas inquietudes diferentes
os teus, no leito sepulcral, são iguais
mas a paz, sempre a mesma.

À mesa de um bar
bebendo triste e só
recordo quando discutíamos Rousseau
"O homem é naturalmente bom", você lembrava.
Teu semblante sereno como o de um velho professor
ainda habita minhas lembranças.

Uma vez dissestes:
"A felicidade tem um grau variável,
o da infelicidade é sempre alto
basta calcularmos as coisas
para não termos decepções".

Eu errei o cálculo
cá estou a mergulhar
no álcool gelado.

Flávio Soares