Estávamos com doze anos. Tínhamos pegado uma semana sem aula. Isso significava sete dias para brincarmos à vontade. No primeiro dia, para nossa decepção, caiu uma tempestade. Ficamos horas esperando que ela cessasse. Até que, à tarde, Evilásio, sob o pretexto de que o pé d'água não pararia, me convidou a sair na chuva. 'O que podemos fazer nesse temporal?", perguntei. Após alguns minutos de conversa, ele convenceu-me dizendo que seria divertido. "Não podemos desperdiçar esses dias só por causa de uma chuvinha", brincou. Sem pensar nas consequências, saímos.
As ruas estavam alagadas. Deitamos nas poças d'água, fazendo de conta que estávamos nadando em um rio. Às gargalhadas, rolamos no chão feito porcos na lama. Sabíamos que nossas mães odiariam aquilo, principalmente porque nossas roupas ficaram imundas, mas não ligamos para isso. 'Tá com você", disse ele, disparando numa carreira, após tocar meu braço. Corri atrás dele pelo bairro. A chuva se intensificava a cada segundo. De repente, ouvi um som estrondoso dum caminhão. Só tive tempo de gritar:
- Evilásio!
O veículo vinha em alta velocidade e fora de controle devido ao asfalto molhado. Acertou meu amigo em cheio, arremessando-o a uns quatro metros de distância. Foi um acidente fatal.
No dia seguinte, o de seu enterro, o sol estava a pino. Os metereologistas constataram que foi o dia mais quente daquele ano. Ainda no cemitério, o pai de Evilásio veio a mim:
- Não entendo. O que os fez sair naquela chuva?
Olhei-lhe nos olhos. Sua expressão era comovente. Não consegui respondê-lo. Sei que com um pouco mais de paciência aquilo não teria acontecido. E seu filho e eu talvez estaríamos correndo pelas ruas da cidade como animais selvagens correm livres pela floresta. No entanto, não falei nada. Caminhei em direção à saída. Tive medo que o homem insistisse naquele questionamento.
Depois disso, faça chuva ou faça sol, sigo o conselho do meu camarada. Não desperdiço meus dias.
Flávio Soares
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