Seu problema era a timidez. Isso o atrapalhava em sua vida social. Tinha dificuldades para falar em público, por isso isolara-se. Se na escola alguém falava com ele, dava respostas monossilábicas. Quando alguma garota lhe dirigia a palavra, corava e nenhuma sílaba saía. Era vítima de todos os tipos de chacotas. Achavam-no esquisito.
Um dia, movido por um impulso típico da adolescência, resolveu fazer uma tatuagem, um dragão vermelho no braço direito. Sem saber por que, sentiu-se mais forte com aquele desenho. Sabia que para os chineses o dragão era sagrado. “Talvez eu devesse ter nascido chinês”, pensou. Não contou a seus pais. Eles eram muito bravos. Fez isto escondido. Ao chegar em casa, trancou-se no quarto, ficando horas em frente ao espelho, admirando a obra em sua pele.
No dia seguinte, na escola, arregaçou as mangas da camiseta e na hora do intervalo, desfilou pelo pátio, exibindo o braço tatuado. Todos se admiraram. Aproximaram-se dele. Puxaram conversa. Queriam saber detalhes do processo de tatuagem. Perguntavam-lhe se doera e porque escolhera um dragão. As meninas sorriram diferente. Sentiu-se outra pessoa. Não era mais o introvertido que não conseguia conversar com ninguém.
Na sala de aula, as garotas que sempre se sentavam longe, agora estavam bem próximas. Bombardeavam-no com olhares insinuantes e, a cada cinco minutos, uma lhe falava em tom doce, quase sexual: “Me deixa ver sua tatuagem”.
Ao sair dali, gastou o resto de sua mesada em outra tatuagem. Dessa vez, fez um anjo montado numa rosa gigante na coxa direita, próximo à virilha. Quando alguma garota lhe pedia para mostrar o dragão, ele exibia-o, dizendo: “Tenho outra mais bonita. Quer ver?”. Sua fama começou a correr pela escola. Os outros garotos respeitavam-no e invejavam-no. As meninas admiravam-no.
Numa tarde calorenta, aproveitando-se que seus pais estavam trabalhando, ele deitou-se, nu, no sofá, ao som de Guns ‘n’ Roses. Ao fim de três canções, adormeceu. Duas horas depois, flagraram-no com as tatuagens a mostra. Seu pai deu-lhe uma surra, várias cintadas nos locais tatuados. “Suba ao seu quarto e não saia de lá até ordenarmos!”, gritou sua mãe. Lá de cima, podia ouvi-los conversando a respeito dele. Discutiam um jeito de remover as tatuagens a laser.
À noite, enquanto seus pais dormiam, saiu de casa, levando consigo uma mochila com tudo que julgava indispensável. Foi a última vez que o viram na cidade.
Flávio Soares