Eles moravam em um vistoso sobrado no final da rua. Quem passava por lá dificilmente não se detinha por alguns minutos a contemplar essa residência, tamanha era sua beleza. Lembro-me que aos domingos, um senhor, proprietário dessa casa, lavava seu luxuoso carro na calçada. Passava horas encerando o automóvel que, propositadamente, ele deixava com o rádio ligado no volume máximo, para atrair a atenção da vizinhança.
Sua esposa, bonita e refinada, era uma mulher esbanjadora. Gostava de se exibir com roupas e joias caríssimas. Ela se deliciava ao ver os olhos invejosos das fofoqueiras que se juntavam na praça para debater sobre a vida alheia.
Os dois, um símbolo perfeito da classe média que quer sempre ascender, pareciam ter sido feitos um para o outro. Consumistas sem igual no mundo, desfilavam pelo bairro como um casal monarca dos séculos passados. Em qualquer ocasião, faziam questão de ostentar seu sobrenome italiano. Julgavam-no respeitoso, tanto que nem me lembro se era Benedetti ou Bernadette. Mas havia o filho... Ah! O filho... Esse desde criança dava mostras de que tinha algo errado em seu juízo ou, pelo menos, uma mente diferente. Seus pais lhe davam tudo o que queria. Brinquedos. Roupas. Passeios em lugares que qualquer criança, independente da classe social, desejaria ir. Ele não gostava de nada. Era estranho o desprezo que tinha pelos agrados que recebia.
Todo mundo no bairro, inclusive eu – confesso envergonhado – invejava aquela família. Tínhamos a idéia ilusória de que dinheiro traz felicidade. Isso até me faz lembrar de um ditado popular: “A grama do vizinho é sempre mais verde”.
Com o tempo, a cabeça do garoto cujo nome não me lembro, porque sua família só se apresentava como Benedetti ou Bernadette, seja lá como for, piorou. O menino ganhou um semblante melancólico, que todos percebiam exceto os pais. A tristeza sem razão passou a fazer parte de sua vida. Um dia, saiu de casa e nunca mais voltou. A princípio, o casal mostrou-se preocupado. A polícia foi acionada. Fotos do filho foram espalhadas pela cidade. Alguns vizinhos se ofereceram para ajudar a procurá-lo. Tudo em vão.
No primeiro ano, as buscas foram incessantes, porém, sem sucesso. E a cada dia, a esperança de encontrá-lo se distanciava. Alguns anos depois, ninguém mais falava nele. O casal seguia sua vida em paz.
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Décadas depois, numa tarde de dezembro, voltando do trabalho, eu andava pela cidade, sob um sol escaldante. Parei numa praça para descansar. Havia uma multidão em volta de um banco onde um mendigo, sentado, tocava músicas natalinas com uma gaita. Aproximei-me querendo ouvir melhor a melodia que parecia ser tocada por um anjo devido à emoção com que o homem soprava o instrumento. Ao término de seu repertório, as pessoas encheram a caneca dele de moedas e saíram. Quando a turba se afastou reparei no sujeito. Não pude deixar de notar suas roupas estropiadas e a longa barba. E qual não foi o meu susto, ao olhar em seus olhos. Apesar de sua aparência descuidada, reconheci-o. Involuntariamente, deixei escapar:
- Benedetti... Quero dizer Bernadette...
Olhou-me, indiferente. Saiu andando. Tenho certeza que era ele, parecia feliz daquele jeito, não possuía mais a expressão soturna dos tempos antecedentes a sua fuga.
Flávio Soares
Um comentário:
Belo texto!
Adorei.
Quando eu era criança, tinha muita vontade de ir pra Disney. Hoje sei que existem melhores parques de diversão espalhados pelo mundo, como por exemplo o Luvre e, por que não, Amisterdã!? kkk...
Até mais, Flavio!
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