Capítulo 4
Manhã de quarta-feira. Comi dois pães com manteiga, tomei um café amargo e saí. A princípio não tinha um lugar definido para ir. Queria andar pela cidade sem preocupação alguma, mas lembrei das razões de minha volta a Mauá. Deixei o carro na garagem. Há tempos não andava a pé. Fiz uma caminhada até a casa de Ricardo, ele morava longe, num bairro de difícil acesso que tinha muitos matos e poucas ruas asfaltadas. Demorei quase uma hora para chegar lá. Durante esse tempo, reparei nas mudanças que a cidade tivera enquanto estive em São Paulo. Ela estava mais populosa, mais tarde conheci o porquê, todos os dias dezenas de pessoas, a maioria nordestinos e mineiros, desembarcavam na estação ferroviária. As calçadas, congestionadas de gente, pareciam formigueiros. Nas ruas, carros passavam incessantemente urrando como animais ferozes. O barulho era infernal. Não pude crer que essa era a cidadezinha calma de minha infância e adolescência. Parecia um moleque ingênuo que vivia apanhando dos valentões da turma e ao crescer, virou um desgosto para a sociedade. No céu, nenhum pássaro, só fumaça.
Cheguei esbaforido à vizinhança onde meu amigo residia, pois estava desacostumado a exercícios físicos. As casas estavam do mesmo jeito, antigas e belas. Pelo som ensurdecedor que saia de uma delas, conclui que meu camarada estava de folga, porque ninguém ali ouviria Rolling Stones tão alto. Parei em frente ao portão, toquei a campainha, bati palmas, gritei, mas não fui atendido. Então resolvi entrar. A porta estava destrancada, logo que adentrei a casa me assombrei com um cheiro forte de incenso. Subi uma escada que dava ao quarto de Ricardo. Ele estava sentado numa poltrona, sem camisa e fumando um cigarro. Quando apareci em sua frente o cara quase teve um treco.
- Caramba, Jonas! O que você faz aqui?
- Peguei uns dias de folga e resolvi matar minhas saudades. – claro que não era só isso, mas achava prudente manter segredo sobre minhas intenções em Mauá. – Como esse bairro resiste à evolução? É incrível as ruas ainda serem de barro, cara.
- Pois saiba que eu adoro isso. Não me dou muito bem com o progresso. Gosto de viver aqui sem ter muita gente pra ver nas ruas, ouvindo meu rock ‘n’ roll e consertando carros, coisa que amo.
Ele abaixou o som para conversarmos melhor. Perguntou-me sobre minha vida e eu perguntei sobre a dele. Relembramos nosso passado. Recontamos algumas histórias. Então me convidou para ir a um bar tomar uma cerveja. Um calor nordestino cremava a cidade naquele dia, não tinha como recusar o convite.
No bar, reencontrei outros conhecidos. Enquanto alguns vieram até mim e apertaram minha mão, outros só acenaram de longe, ou por estarem sem jeito de falar comigo, ou por falta de assunto. Em poucos minutos havia se formado um grupo de seis homens. Bebíamos como se fosse uma noite de sexta-feira. Falávamos de tudo, desde futebol a sexo. Recordamos acontecimentos engraçados do bairro e da escola. Rimos demais. Porém, uma coisa me perturbava. E Elder? Eu esperei um deles tocar no assunto, mas não disseram nada. E quando percebi que eles não falariam nada a respeito disso, cometi a besteira de quebrar o clima com uma pergunta:
- E o Elder? Alguém se lembra dele?
Fingiram não terem me ouvido, mudaram de assunto e aos poucos saíram um por um, restando apenas Ricardo e eu. Ele estava de cabeça baixa, calado. Senti-me envergonhado, bebi meu copo de uma vez e dirigi-me ao caixa para pagar a conta. Quando voltei à mesa, Ricardo já partira. Isso me deixou pensativo.
Flávio Soares