Meia-noite.
Você tão longe de mim
presente em meu corpo.
Meia-noite.
Uma coruja pia.
Tristeza.
Meia-noite.
Raul Seixas e álcool.
Maluco Beleza.
Meia-noite.
Acabou a vodca.
Poesia.
Flávio Antunes Soares
sexta-feira, 18 de março de 2016
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Drummond, o gauche reflexivo
Carlos Drummond de Andrade é indubitavelmente um dos maiores escritores brasileiros. Na opinião de muitos, o mineiro de Itabira foi o maior poeta brasileiro do século XX e, também, o mais influente de todos.
Abaixo, uma de suas obras-primas.
Caso pluvioso
A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que Maria é que chovia.
A chuva era Maria. E cada pingo
de Maria ensopava meu domingo.
E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura...
Maria, chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa... Nossa!
Não me chovas, Maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão - pois que Maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,
que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira Maria, chuvadonha
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Para! e ela chovendo,
poças d'água gelada ia tecendo.
Choveu tanto Maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa.
e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de Maria mais chuvavam,
de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,
e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.
Os seres mais estranhos se juntando
na mesma aquosa pasta iam clamando
contra essa chuva estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d'água mais deliram,
e Maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram. Continentes,
já submergem com todos os viventes,
e Maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,
e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, Maria! - e ela parou.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
Sam Shepard, o poeta do Velho Oeste
Sam Shepard está entre os dramaturgos mais aclamados dos Estados Unidos. Escreveu cerca de cinquenta peças e teve seu trabalho produzido por todo o país. Ele também atingiu a fama como ator, escritor e diretor de filmes. Dentre seus mais famosos livros, estão Crônicas de motel, Cruzando o paraíso e O grande sonho do céu.
Abaixo, alguns poemas do livro Crônicas de motel.
Double roses
ela diz
como na Inglaterra
como lá na Inglaterra
E se deita para trás
dentro de si mesma
dentro da Inglaterra
Sua narina se dilata
seus olhos se fecham
a Rosa a leva de volta para casa
22/09/1980
San Francisco, California
Esta noite
estão molhando o cemitério em Cody, Wyoming
um vento seco sopra pelas barracas do rodeio
o hino nacional flutua na pradaria
cantando sem convicção
cantando por convenção
Aqui, há um touro chamado "Boca de algodão" que jamais foi montado
o anunciador irradia o velho provérbio
"Nunca existiu touro que não possa ser montado
nunca existiu cowboy que não possa ser derrubado"
Um vento forte sopra das montanhas rochosas
Através da trilha da montanha Absoraka
a noite engole todo o Wyoming
a noite nos mantém sob as luzes.
06/08/1980
Cody, Wyoming
Seus canários
estavam sucumbindo como moscas
todas as manhãs
havia outro
duro
no fundo da gaiola
O veterinário disse
que era devido a bactérias
na água que estavam bebendo
mas ele próprio sabia
que era
pela maneira como estamos vivendo
02/08/1981
Homestead Valley, California
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Melhor morrer de vodca do que de tédio
Revolucionário no sentido mais amplo da palavra, Vladimir Maiakóvski é um dos maiores escritores russos. Com uma escrita capaz de tocar desde o mais letrado dos homens até o camponês mais humilde, suas metáforas são impactantes. É dele o célebre verso "melhor morrer de vodca do que de tédio".
Estrela
Escutai! Se as estrelas se acendem
será porque alguém precisa delas?
Porque alguém as quer lá em cima?
Será que alguém por elas clama,
por essas cuspidelas de pérola?
Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,
nos corações dos turbilhões de poeira;
ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,
temendo chegar atrasado,
eque lhe beija chorando
a mão fibrosa.
Implora! Precisa absolutamente
duma estrela lá no alto!
Jura! Que não poderia mais suportar
essa tortura de um céu sem estrelas!
Depois vai-se embora,
atormentado, mas bancando o gaiato
e diz a alguém que passa:
"Muito bem! Assim está melhor agora, não é?
Não tens mais medo, hein?"
Escutai, pois! Se as estrelas se acendem
é porque alguém precisa delas.
É porque, em verdade, é indispensável
que sobre todos os tetos, cada noite,
uma única estrela se alumie.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
O bêbado do bairro
João Simplício era o bêbado do bairro
o que não teve sorte na vida
ou que foi estúpido demais.
Era assim que o consideravam.
Tudo para João Simplício era duplicado
tristeza, alegria,
solidão, goles de cachaça...
De um jeito ou de outro
ele era o bêbado do bairro
o bêbado da cidade
o bêbado do estado
o bêbado do Brasil
o que não teve sorte na vida
ou que foi estúpido demais.
Flávio Antunes Soares
o que não teve sorte na vida
ou que foi estúpido demais.
Era assim que o consideravam.
Tudo para João Simplício era duplicado
tristeza, alegria,
solidão, goles de cachaça...
De um jeito ou de outro
ele era o bêbado do bairro
o bêbado da cidade
o bêbado do estado
o bêbado do Brasil
o que não teve sorte na vida
ou que foi estúpido demais.
Flávio Antunes Soares
sexta-feira, 5 de julho de 2013
Passe livre
As bombas estão caindo.
O gigante corre pelas ruas
seu brado libertário
acende as vinte e sete estrelas.
"A praça é do povo
como o céu é do condor", dizia o poeta baiano.
Agora
as terras tupiniquins
são da massa.
Abram alas
que o gigante quer passar.
Flávio Antunes Soares
O gigante corre pelas ruas
seu brado libertário
acende as vinte e sete estrelas.
"A praça é do povo
como o céu é do condor", dizia o poeta baiano.
Agora
as terras tupiniquins
são da massa.
Abram alas
que o gigante quer passar.
Flávio Antunes Soares
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Nós mesmos, nada mais
Não existem superes, amor,
tampouco deuses.
Mas não chores
ainda podemos nos sentar na varanda
e admirar o pôr-do-sol e o anoitecer
como se fossem
as únicas belezas da Terra.
Eu sei
que nossos heróis
eram pessoas comuns
como nós
e tão loucos
quanto nós.
No entanto,
eram heróis e isso nos basta
para nos manter sonhando.
Portanto, não te entristeças.
Façamos um brinde
a tudo que temos na vida:
Nós mesmos, nada mais...
Flávio Antunes Soares
tampouco deuses.
Mas não chores
ainda podemos nos sentar na varanda
e admirar o pôr-do-sol e o anoitecer
como se fossem
as únicas belezas da Terra.
Eu sei
que nossos heróis
eram pessoas comuns
como nós
e tão loucos
quanto nós.
No entanto,
eram heróis e isso nos basta
para nos manter sonhando.
Portanto, não te entristeças.
Façamos um brinde
a tudo que temos na vida:
Nós mesmos, nada mais...
Flávio Antunes Soares
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